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Varicela zóster com características incomuns: dois casos clínicos

Livro de casos clínicos - 2019 - Caso 5 e 6

Sumário

Os vírus são a principal causa das infecções do sistema nervoso central (SNC). São conhecidos, até ao momento, mais de 100 tipos diferentes de vírus herpes, mas apenas 8 são exclusivamente causadores de infeccão em humanos. Embora estes vírus pertençam a subgrupos diferentes, todos partilham uma característica única do vírus herpes, que é permanecerem latentes em células hospedeiras específicas, após a infecção primária. As reativações são frequentes e especialmente graves em doentes imunossuprimidos, podendo desenvolver-se sem erupção cutânea. A reativação do vírus varicela zóster (VZV), a partir de gânglios infectados de forma latente, pode causar múltiplas doenças neurológicas. A mais comum é o herpes zóster, frequentemente complicado por neuralgia pós-herpética, meningoencefalite e vasculopatia, incluindo arterite temporal, mielopatia e necrose retiniana. O diagnóstico por métodos moleculares rápidos é recomendado para melhorar o manejo terapêutico dos doentes. O kit Entherpex CLART® (Genomica®), permite a detecção rápida e simultânea de 9 vírus neurotrópicos de DNA e RNA: HSV-1, HSV-2, VZV, CMV, EBV, HHV-7, HHV-7, HHV-8 e enterovírus humanos (HEV). Descrevemos, neste estudo, dois casos clínicos de doentes jovens imunocompetentes com apresentações clínicas inesperadas de reativações do VZV.

Introdução

Os vírus são as principais causas das infecções do sistema nervoso central (SNC), suplantando as causas bacterianas e as causas fúngicas. São responsáveis pela encefalite e pela meningite asséptica. A encefalite é uma perturbação neurológica rara, mas uma das mais graves. A encefalite humana deve-se principalmente ao vírus herpes, em particular ao vírus herpes simplex (HSV) e ao varicela zóster (VZV), mas também ao citomegalovírus (CMV), ao vírus Epstein-Barr (EBV) ou ao vírus herpes humano tipo 6 (HHV-6), sobretudo no hospedeiro imunocomprometido (Tabela 1). O vírus da varicela zóster (VZV) é um herpes vírus neurotrópico, exclusivamente humano e ubiquitário. A infecção primária geralmente causa varicela, com latência subsequente nos neurónios ganglionares ao longo de todo o neuroeixo. Com a idade, ou devido a imunossupressão, a imunidade mediada por células para o VZV diminui, levando à reativação do vírus que se manifesta como zóster (zona), uma erupção vesicular unilateral dolorosa com distribuição dermatomal restrita.

TABELA 1. Classificação dos Herpesvírus humanos e Enterovírus
HHV-1 Herpes simplex virus 1 (HSV-1)
HHV-2 Herpes simplex virus 2 (HSV-2)
HHV-3 Varicella zóster virus (VZV)
HHV-4 Epstein-Barr virus (EBV)
HHV-5 Citomegalovírus (CMV)
HHV-6 Human Herpes virus 6 (HHV-6)
HHV-7 Human Herpes virus 7 (HHV-7)
HHV-8 Human Herpes virus 8 (HHV-8)
Enterovirus (Coxsackievirus, Poliovírus e Enterovirus) (HEV).

verdadeira incidência destas infecções é difícil de determinar, pois este diagnóstico pode não ser considerado. Muitos casos não são valorizados ou a etiologia viral específica pode não ser confirmada (1). O mais comum é o herpes zóster, que é frequentemente complicado por neuralgia pós-herpética, meningoencefalite e vasculopatia, incluindo arterite temporal do VZV1, mielopatia e necrose retiniana(1).

Caso 1

Doente do sexo masculino, com 15 anos de idade, antecedentes pessoais de varicela na primeira infância e sem antecedentes familiares relevantes. Aparentemente bem até dois dias antes do internamento, altura em que apresentava quadro de obstrução nasal, com corrimento, tosse e cefaleia intensa. No segundo dia de doença, dirigiu-se ao Hospital cuf Torres Vedras, onde fez TAC crânio-encefálico, que revelou alterações sugestivas de sinusite etmoido-esfenoidal tendo sido medicado com amoxacilina e ácido clavulânico. No internamento, verificou-se agravamento da cefaleia, de alta intensidade, holocraniana com fono-fotofobia, sendo posteriormente referenciado ao Hospital cuf Descobertas. Quando observado no nosso centro, refere agravamento do

quadro de cefaleia. O exame neurológico revelou níveis adequados de consciência, cooperação e orientação. O doente estava apirético e com rigidez da nuca. Os sinais neurológicos de Kernig e Brudzisnky foram negativos e o restante exame neurológico sem alterações. Os achados laboratoriais são descritos na Tabela 2. A TAC confirmou as alterações iniciais e o doente é internado com diagnóstico de meningite viral por VZV e iniciou a terapia com aciclovir IV por 5 dias, com subsequente melhoria progressiva do estado geral.

TABELA 2. Resumo dos resultados laboratoriais do Caso nº 1
EXAME CITOQUÍMICO DO LÍQUIDO CEFALO-RAQUIDIANO (LCR)
  • Límpido, 400 cel/mm3, predomínio de PMN (66%)
  • Proteínas (69 mg/dL)
  • Outros parâmetros (glucose, cloretos e LDH), normais
EXAME BACTERIOLÓGICO DO LCR
  • Ex. Directo (Gram e Zielh-Neelsen): Negativo
  • Ex. Cultural: Negativo
ANTIGÉNIOS CAPSULARES BACTERIANOS
  • N. meningitidis grupo A, B e C; S. pneumoniae e H. influenzae tipo B: Negativos
PAINEL DE VÍRUS HERPÉTICOS NO LCR POR PCR
  • Positivo para Vírus Varicella Zóster
SEROLOGIA PARA VÍRUS VARICELLA ZÓSTER
  • LCR: Ig G positiva elevada (1838 mUI/ml), IgM negativa
  • Soro: Negativo para Ig G e IgM

Caso 2

Doente do sexo feminino, de 29 anos de idade, internada por cefaleia, astenia, parestesia de ambas as mãos e uma ligeira diminuição da força muscular na mão esquerda. Dos antecedentes pessoais há a referir história de varicela na primeira infância e um episódio de paraparésia há dois anos atrás, do qual recuperou ao fim de poucas semanas. Na admissão, a doente estava sub-febril sem sinais meníngeos, com reflexo cutâneo plantar esquerdo em extensão. A ressonância magnética, realizada previamente, revelou duas lesões desmielinizantes, hemi-espinhal cervical superior esquerda sem captação de sinal, e outra na região cerebral média à direita com captação de sinal pelo gadolínium características de lesão aguda que, em conjunto, sugeriram o diagnóstico de Esclerose Múltipla Aguda. Foi realizada punção lombar que revelou um Líquido cefalo-raquidiano (LCR) com características citoquímicas inocentes. O exame bacteriológico foi estéril. Os achados laboratoriais são mostrados na Tabela 3. Foi iniciada Metilprednisolona IV, 1000mg durante 5 dias. Após os resultados positivos da PCR para o VZV no LCR, iniciou tratamento com o aciclovir endovenoso 10mg/kg/dvd, durante 14 dias. Teve alta 21 dias depois com o diagnóstico de encefalomielite pós-infecciosa por vírus varicela zóster, com melhoria clínica marcada para acompanhamento em consulta de neurologia.

TABELA 3. RESUMO DOS RESULTADOS LABORATORIAIS DO CASO Nº 2
LCR À ENTRADA
(01/04/2015)
SEROLOGIA VZV
(07/04/2015)
LCR À SAÍDA
(19/04/2015)
SEROLOGIA VZV
(19/04/2015)
Ex. Citoquímico:
  • Límpido, 2 cel/mm3
  • Proteínas, 22,4 mg/dl
  • Glicose, 55 mg/dl
Soro:
  • Ig G elevada (1120 mUI/ml)
  • Ig M negativa
LCR:
  • IgG negativa
  • IgM negativa
Ex. Citoquímico:
  • Límpido, 1 cel/mm3
  • Proteínas, 25,6 mg/dl
  • Glicose, 58 mg/dl
LCR:
  • IgG negativa
  • IgM negativa
Antigénios capsulares bacterianos:
Negativos
     
Antigénio Cryptococcus: Negativo   Antigénio Cryptococcus: Negativo  
Imunofixação e pesquisa de bandas oligoclonais:
  • Ratio Ig G/ Albumina, normal
  • Sem disfunção da barreira.
  • Sem detecção de síntese intra-tecal
  Imunofixação e pesquisa de bandas oligoclonais:
  • Ratio Ig G/ Albumina, normal
  • Sem disfunção da barreira.
  • Sem detecção de síntese intra-tecal
 
Exame bacteriológico
  • Ex. Directo (Gram e Zielh-Neelsen):Negativo
  • Ex. Cultural: Negativo
  Exame bacteriológico
  • Ex. Directo (Gram e Zielh-Neelsen): Negativo
  • Ex. Cultural: Negativo
 
Painel de Vírus Herpéticos por PCR:
br>Positivo para Vírus Varicella Zóster
  Painel de Vírus Herpéticos por PCR:
Negativo para Vírus Varicella Zóster
 

Discussão

A verdadeira incidência destas infecções é difícil de determinar, pois esta hipótese de diagnóstico pode nem sequer ser considerada. Muitos casos não são valorizados ou a etiologia viral específica pode não ser confirmada (1). O mais comum é o herpes zóster, que é frequentemente complicado por neuralgia pós-herpética, meningoencefalite e vasculopatia, incluindo arterite temporal do VZV 1, mielopatia e necrose retiniana (1). Os doentes com encefalite apresentam estados de consciência alterados que variam dos défices subtis até estados comatosos. Os sintomas e sinais de inflamação meníngea (fotofobia e rigidez da nuca) estão geralmente ausentes numa encefalite pura, mas frequentemente acompanham uma meningoencefalite. As convulsões são comuns na encefalite e podem ocorrer alterações neurológicas focais, incluindo hemiparesia, paralisia de nervos cranianos e hiperreflexia e/ ou reflexos patológicos. Os doentes podem parecer confusos, agitados ou prostrados. Os exames imagiológicos dos doentes com encefalite podem não mostrar alterações, tanto na TAC como na RM. A TAC é útil para excluir lesões que ocupam espaço e a RM é sensível na detecção da desmielinização. Embora não seja diagnóstico, o exame do líquido cefalorraquidiano (LCR), confirmará, frequentemente, a presença de doença inflamatória do SNC. Os achados na meningite asséptica e meningoencefalite são geralmente incaracterísticos (Tabela 4).

TABELA 4. CARACTERÍSTICAS DO LCR NAS INFECÇÕES VIRAIS
Contagem leucocitária elevada, habitualmente <250/mm3 Contagem diferencial com predomínio de linfócitos, apesar de na infecção recente a contagem diferencial poder apresentar um predomínio de neutrófilos. No seguimento, após 8 horas de evolução, a contagem diferencial celular em nova amostra de LCR deverá revelar um desvio do predomínio de neutrófilos para linfócitos.
Proteinorráquia elevada, mas habitualmente <150 mg/dL  
Glicorráquia normal (> 50% do valor de glicemia) Valores moderadamente diminuídos são, por vezes, observados nas infecções por HSV, varicela e em alguns casos de enterovírus.
Eritrócitos são raramente observados (nas punções lombares não traumáticas) A sua presença, num contexto clínico adequado, sugere infecção a HSV-1 ou outra encefalite necrozante.

A bateria de testes diagnósticos inclui, frequentemente, cultura de líquido cefalorraquidiano, técnicas de polymerase chain reaction (PCR) e serologia para os agentes patogénicos suspeitos. Com o aparecimento da tecnologia de PCR, foram feitos avanços significativos na capacidade de diagnosticar infecções virais do SNC. Os microarray Multiplex RT-PCR DNA, como o kit CLART® Entherpex (Genomica®), permite a detecção rápida e simultânea de 9 vírus neurotrópicos de DNA e RNA, com alta sensibilidade e especificidade, elevada rapidez de resposta e vantagens na instituição precoce de terapêutica dirigida (2-4). O teste serológico é mais importante para doentes que não melhoram e que não têm um diagnóstico baseado na análise do LCR, cultura e PCR. Para o diagnóstico da maioria das infecções virais do SNC é necessário o estudo em paralelo com amostras de soro. A serologia de convalescença deve ser obtida três semanas após o início da doença.

Um grande desafio diagnóstico para o clínico é a meningoencefalite por VZV que poder ocorrer meses após a erupção cutânea, e frequentemente na ausência de uma pleocitose no LCR ou DNA amplificável do VZV no LCR. A detecção do anticorpo anti-VZV no LCR é frequentemente superior à detecção do DNA do VZV no LCR para diagnosticar as múltiplas complicações neurológicas que se seguem à reativação do VZV sem rash. Assim sendo, os dois testes devem ser realizados na avaliação de doentes com doença neurológica, que possa ser causada pelo VZV. Na mielopatia por VZV, o vírus pode alastrar centralmente para a medula espinhal, causando mielite por doença sistémica ou por enfarte medular. Estes doentes apresentam paraparésia com ou sem características sensoriais e muitas vezes sem erupção cutânea. A RMN da medula mostra as lesões longitudinais ou serpiginosas de sinal ampliado características da mielite. O LCR contém anticorpos para o VZV que evidenciam a resposta humoral por síntese intratecal.

Conclusão

Os dois casos relatados ilustram apresentações clínicas inesperadas de reativações de VZV em doentes jovens, imunocompetentes, sem erupções cutâneas e com sinais neurológicos de meningoencefalite e mielopatia. As novas plataformas de diagnóstico, como o microarray multiplex RT-PCR DNA, permitem a detecção rápida e simultânea de vírus neurotrópicos, melhorando o turn around time (TAT) e a gestão terapêutica, prevenindo graves complicações neurológicas da reativação do VZV.

Se tiver alguma questão adicional: